O sorriso rasgado de Cauã Reymond denuncia a felicidade do ator com os rumos do problemático Danilo, seu personagem em “Passione”. Acostumado a viver tipos bem menos complexos em seus trabalhos na tevê, o carioca de 30 anos agora se empenha em exercitar um lado mais denso. Na trama de Silvio de Abreu, ele interpreta um ciclista profissional que, após usar drogas para melhorar seu desempenho nas pistas, acaba se viciando em crack. Sempre ligado a esportes e com uma rotina saudável, o ator garante que interpretar um dependente químico é uma tarefa que exige ainda mais dele. “Por ter sido atleta, eu não fui um cara que bebi ou me droguei. De certa forma, para mim, esse personagem é bem mais difícil. Depois preciso tirar umas boas férias”, acrescenta, aos risos.


Cauã conta que, por onde passa, costuma ouvir a compaixão do público pelo personagem, que atualmente está desaparecido por conta de uma cirurgia no quadril a que o ator teve de se submeter. Mas se diverte ao destacar que nem todos costumam compreender esse trabalho. “Agora, as crianças só me olham de rabo de olho. Isso quando não correm e agarram a perna da mãe”, conta.

Você começou a novela com um personagem leve, ligado ao esporte, e agora vive um viciado em crack fugido de casa. Como foi trabalhar essa mudança de carga dramática?
Cauã - Quando recebi o convite do Silvio de Abreu, já sabia que isso iria acontecer. Eu estava preparado. Li muito sobre o assunto, estudei bastante e comecei a frequentar os Narcóticos Anônimos logo no começo da novela. Conversei com usuários para tentar entender o prazer efêmero e a compulsão que a droga gera. Dos relatos que li e ouvi, pouquíssimas pessoas demoraram a se viciar. Durante o processo, a equipe da novela também arrumou um psiquiatra para me ajudar. Isso foi importante para me dar segurança e atingir a verossimilhança que queríamos. Pesquisei tanto para viver o Danilo que, de certa forma, fiquei mais tranquilo.

Mas, além das drogas, você também teve uma preparação voltada para o ciclismo. Foi um processo mais trabalhoso que o normal?
Cauã - Olha, deu um trabalho terrível. Primeiro treinei para o ciclismo, já começando a ler sobre drogas. Depois que comecei a gravar muitas cenas de esporte, passei a me dedicar mais à questão do crack. Foram basicamente duas preparações. E agora é uma pesquisa constante, porque toda semana a gente se encontra para conversar. Também busquei a ajuda de uma “coach” para trabalhar a linguagem corporal e mudar um pouco a forma apolínea que o personagem tinha no começo para algo mais curvado. Encontramos uma outra postura para esse momento da dependência química. Por mais que não pareça, o Danilo dá um grande trabalho.

Você fez sua estreia no horário nobre há cinco anos, na pele do garoto de programa Mateus em “Belíssima”, também do Silvio de Abreu. Como é sua relação com o autor?
Cauã - Gosto muito do Silvio. A gente conversa, mas durante a novela não nos falamos. Eu não ligo para perguntar nada. Acho que tem de existir um limite enquanto ele está escrevendo. Depois podemos falar à vontade. O convite para “Passione” partiu dele. Fiquei muito feliz de poder fazer um personagem diferente. Gosto disso. Tem gente que não liga muito, mas eu sim. Acho que é isso que dá longevidade à carreira. Fazer o mesmo personagem durante muito tempo pode até trazer sucesso em um período específico, mas a idade vai chegando e as coisas complicam.

Em oito anos de tevê, você emendou sete novelas e viveu tipos bem diferentes em cada uma. Foi uma maneira de direcionar sua carreira ou uma questão de oportunidades?
Cauã - Tenho buscado fazer coisas bem diferentes. É claro que existe o fator sorte, mas essa busca é algo consciente da minha parte. Ainda não recusei trabalho algum na tevê porque sempre recebi bons personagens. Acho que, gradativamente, fui galgando coisas diferentes. Não tenho do que reclamar. No cinema e teatro já tive de recusar alguns trabalhos por já ter feito coisas semelhantes. Mas também já recebi ótimos personagens fora da tevê. Tanto que tenho quatro filmes para lançar. Venho trabalhando bastante, sem intervalos.

Quando estreou na tevê em 2002, em ‘Malhação’, você disse ter sofrido com as críticas negativas ao seu personagem, o Mau-Mau. Como lida com isso atualmente?
Cauã - Quem trabalha com arte tem de aprender a encarar. Você recebe a influência e as opiniões dos outros o tempo todo. Por incrível que pareça, eu não me sentia tão confortável na tevê na época de “Malhação”. Mas, no mesmo período, fiz minha estreia no cinema com um trabalho que me deixou muito confortável, o “Ódiquê”, que teve boas críticas e gostei muito de fazer. Acho que precisei de um tempo para me acostumar a atuar na televisão, a entender a mecânica. Às vezes demoro a aprender, mas quando aprendo é para valer.

E como você se avalia agora?
Cauã - Mais maduro, feliz. Me vejo dessa forma e sei que na profissão de ator você continua a amadurecer sempre. Os grandes atores falam que é como vinho. Você vai melhorando com a idade. Eu acredito nisso.

Mas em que momento você se sentiu realmente seguro para atuar na tevê?
Cauã - Depois de “A Favorita”. Acho que a novela foi a grande virada, em que me senti seguro de verdade. O Halley foi um personagem premiado, com críticas boas e teve um destaque importante. Acho que foi meu maior personagem. Em todos os aspectos, minha carreira deu uma virada. Também aconteceu no cinema, quando fiz o filme “Se Nada Mais Der Certo”, que foi premiado e elogiado pela crítica. Foi como se eu tivesse acertado tudo de uma vez só. 2009 foi um ano muito especial.

E como foi repetir o par romântico com a Mariana Ximenes em ‘Passione’?
Cauã - Muito bom. Conseguimos construir uma relação completamente diferente daquela entre o Halley e a Lara, em “A Favorita”. Até porque, caso contrário, o pessoal teria nos detonado rapidamente. Conseguimos trazer outra energia para o romance dos dois. Eu e a Mariana conversamos bastante para encontrar o ponto certo dos personagens.

Seus papéis na tevê nunca são mocinhos tradicionais ou vilões. Você tem a expectativa de viver esses tipos?
Cauã - Acho que sou um ator muito sortudo. Na televisão é difícil isso que acontece comigo, de fazer personagens ambíguos e sempre em um meio termo. Às vezes você faz um mocinho e não pode mostrar certas facetas, assim como um vilão. Mas eu tenho essa expectativa de fazer um mocinho e depois um vilão. Tenho que ficar mais velho! Só envelheço na idade, a cara ainda é de menino. Acho que, se deixasse o cabelo crescer bem cacheado, dava até para voltar para “Malhação”.

Fruto das passarelas

Cauã Reymond começou a trabalhar como modelo aos 18 anos. E foi durante uma temporada em Nova York, dois anos mais tarde, que ele teve a oportunidade de trocar os desfiles pela atuação. Ao ganhar uma bolsa de estudos no famoso Actors Studio com a atriz Susan Baston, coach dos atores Nicole Kidman e Tom Cruise, Cauã sequer hesitou em deixar de lado a carreira de modelo e investir somente na de ator, mesmo sem experiência no ramo. Na época, tinha terminado um namoro e estava com a autoestima péssima. Bastou minha professora falar que eu tinha futuro na atuação para eu vestir a camisa, recorda, aos risos.

Ao voltar para o Brasil, Cauã chegou a cursar alguns períodos de Psicologia na PUC-Rio, mas trancou a matrícula assim que soube que viveria o adolescente Mau-Mau em Malhação, em 2002. Para ele, conciliar as agendas é uma tarefa quase impossível. Tinha uma época em que eu até queria voltar, mas não vai rolar. Passione, por exemplo, ocupa um tempo absurdo. Não consigo fazer mais nada, desabafa.

Gravações densas

Manter o clima pesado da problemática família Gouveia, em Passione, é uma das tarefas mais difíceis para Cauã Reymond. Tanto que, para se concentrar antes de dar vida ao Danilo, o ator costuma dedicar meia hora antes das gravações para cultivar a energia do personagem, tempo em que ouve música e estuda o texto. Chego com tudo decorado e penso muito em como passar as emoções de diversas formas. O elenco se dá muito bem, mas às vezes a gente prefere manter a energia do núcleo, que é bem pesada, conta.

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