Em janeiro, enquanto boa parte do elenco de Passione afinava o italiano, Cauã Reymond acompanhava histórias de superação e de recaídas em sessões do Narcóticos Anônimos. Mas aos olhos do grande público, o ator, que vinha de um histórico de personagens bonitões na TV – entre eles Mateus de Belíssima (2005) e Halley de A Favorita (2008) – só teria duas funções em Passione: vestir a camisa de um campeão das pedaladas e encantar a mulherada. Mas desta vez, Cauã Reymond se preparou bem mais para o público. Aos 30 anos, ele decidiu arrancar o rótulo de galã, despiu-se de vaidades e mergulhou no universo do crack em busca da carga dramática necessária ao seu personagem.

No início da trama, o novelista Silvio de Abreu não quis dar pistas da trajetória do ciclista Danilo Gouveia. Cauã também investiu no papel do dependente químico com discrição. Por conta própria, circulou pelas ruas da Cracolândia, em São Paulo. As imagens de consumo liberado o chocaram. Ao mesmo tempo, o encorajaram a levar o assunto à TV. Ele diz que a empreitada não foi fácil. “Você vê filmes que falam do tema, mas raramente são exibidas imagens do consumo. No começo, não sabia como fazer esse tipo de cena.”

Algumas pesquisas sobre crack o ajudaram. Os delírios de Benicio Del Toro em Coisas que Perdemos Pelo Caminho (2007) até serviram como inspiração para extrair um caco ou outro. Mas Denise Saraceni, diretora do folhetim, foi quem lhe apontou o caminho. A ida desesperada até a boca de fumo, o olhar de dependência, o comportamento agressivo em busca de dinheiro, tudo foi trabalhado. “Além de um psiquiatra, tive acompanhamento de uma preparadora corporal e uma outra de texto”, diz Cauã. Tudo gerenciado por Denise Saraceni.

A sequência de cenas foi pesada. Danilo discutiu com o irmão, roubou a mãe, sofreu ameaças na Cracolândia e apanhou do pai. Dele, inclusive, escutou um dos discursos mais contundentes da trama: “Eu tenho vergonha de você, desaparece, Danilo! E morre longe daqui, porque nem dinheiro pro teu enterro eu vou dar.”

Insônia
A rotina de Cauã andava tensa. Até para dormir o ator encontrava dificuldades. A mulher, Grazi Massafera, preparava um banho de sal grosso, o convidava para ir ao cinema, ele tentava se distrair nas páginas da biografia da família Gracie (de jiu-jitsu), mas Danilo Gouveia não saía de sua cabeça. “Já tive muitos pesadelos com o Danilo.”

Nas ruas, Cauã começou a colher os frutos de um personagem fora do universo dos bonitões. De ex-dependentes químicos, recebeu elogios. De vovós noveleiras, conselhos para largar as drogas. A Prefeitura de São Paulo mandou carta endereçada ao autor Silvio de Abreu parabenizando a retratação do crack. Mas no embalo desse sucesso, Cauã teve de fazer um pouso forçado. Após uma cirurgia de emergência no quadril – motivada por uma lesão semelhante à do tenista Gustavo Kuerten – ele ficou 35 dias longe de Passione.

Junto de Grazi, porém, continuou acompanhando o folhetim. Tem até palpite sobre o assassinato de Saulo (Werner Schünemann), pai de Danilo. “Achamos que o assassino foi o Arthurzinho (Julio Andrade).” Nas sessões de fisioterapia, aproveitou para ler mais sobre o crack. “Tive de estudar mais porque isso sempre foi muito longe da minha realidade. Quando adolescente até experimentei maconha, mas não fiz daquilo minha história.”

Futuro promissor
Ainda em dedicação ao personagem, Cauã deixou as unhas crescerem, a barba por fazer e o cabelo encaracolar. E é com essa aparência descuidada que ele ressurge hoje em Passione, no capítulo em que será encontrado pelo tio Gerson (Marcello Antony), debaixo de um viaduto.

Do estágio de mendigo, apoiado em muletas, Danilo deve caminhar rumo à recuperação. O que promete mais cenas difíceis e dignas de respeito da classe artística. Porque afinal, se alguns ainda carregam a imagem dele de surfista bonitão – “alguns paparazzi me fotografam de manhã pegando onda e depois deixam essa imagem o dia inteiro nos sites, como se eu só fizesse isso”–, outros profissionais já enxergam o moço como boa aposta para o cinema.

Não por acaso, só no ano passado ele esteve em cinco produções. Entre elas, Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte, em que viveu o protagonista, um homem afundado em dívidas.

Cauã não se deslumbra com a boa fase. “Estou crescendo como ator. Olho para trás (ele tem todas as novelas em que participou gravadas em DVD), me vejo na época de Malhação (2002), e tenho orgulho. Mas ainda sonho com muita coisa.” Entre os desejos, contracenar com Antônio Fagundes e Tony Ramos. E na vida pessoal, ter um filho com Grazi, daqui a um ano ou dois. “Esses 30 anos estão me fazendo feliz e me ajudando a amadurecer.”

Aline Nunes

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